...delito esse, atribuído ao delinquente também conhecido como "meliante renascentista".
“Em meio aos corpos e estilhaços, foi encontrado o primeiro canto da ‘Eneida’ de Virgílio (2078) e na ocasião anterior havíamos achado fragmentos de ‘Dos livros’, ensaio esse, seminal na obra de Montaigne (475)” - afirma Dona Irene (47), malograda escritora, fã confessa de Borges (109) e investigadora criminal.
Segundo o antropólogo, sociólogo, artista plástico e gourmet Francisco Mautner (56), a alcunha "renascentista" é aplicada de modo errôneo ao bandoleiro brasileiro:
“Creio que não podemos associá-lo somente a este período de ruptura com os valores medievais. Sim, por meio de suas transgressões, é promovida uma redescoberta e uma revalorização das referências culturais da antigüidade clássica- não nego- no entanto, é preciso abrir os olhos para a releitura do ideal ‘Seja marginal, seja herói’ de Oiticica (71), que ele tanto agrega a seu modus operandi. A meu ver, este equívoco vem acontecendo pela baixa auto-estima do brasileiro, tão bem instituída pelo maestro Antônio Carlos Jobim (81) como ‘fracassomania’. Penso que ‘criminoso tupi or not tupi?’ traria uma nuance ‘márioswaldeandradeana’ e, sobretudo, englobaria referencialmente de forma simbólica o ideal humanista já habitualmente associado ao bandido. Admito que redescobri Epicuro (2349) por meio dele, só tenho a agradecer”.
Depois de suplícios legais, horas apinhadas de máximas de Wilde (154), de referências vagas a Stravinsky (126) e homenagem póstumas a Caymmi (94), as autoridades chegaram à conclusão de que uma admirável arquitetura de palavras sustenta a força da corporalidade, e que, uma representação de totalitarismos, supera as contingências de uma época para ganhar a força do símbolo. Mais adiante, instauraram como proposição antecipada provisoriamente da causa da ladroagem a cupidez do assaltante- sua intenção de visitar um amigo em Madri, seu o ímpeto de fitar de perto a arte de Ouka Leele (51), sua apetência de posse de toda obra de Guimarães Rosa (100), Jorge Amado (96) e de todas as demais manifestações artísticas essenciais.
“Cada vez mais é essencial possuir todas as essencias obras de arte, e cada vez mais elas são em número maior. Deus (milhares de Yugas; segundo o Bhagavad Gita) sabe que grande parte das pessoas cometeria atos não meritórios, e até mesmo delitos nauseabundos; imputáveis; por este motivo.” -reflete Dona Irene.
Dito isto, é preciso ter em mente que os responsáveis pelo caso têm em suas mãos apenas conjecturas. É sabido que neste intervalo de 48 horas no qual o marginal foi preso e interrogado, sua única declaração foi:
“Pega a voga, cabeludo
Que eu não sou cascudo
Tenho muito estudo
Pra fazer minha embolada
Cá na batucada não me falta nada
Eu tenho tudo!”
Um comentário:
Apesar de a demanda ser por um leitor tão culto quanto o meliante, foges da pretensão. Confetes para o feito! Mais do que nunca, meu plano pós-formatura é uma vida de crimes, seguindo os preceitos de humor, arte e violência aqui aplicados.
Mais beijos e asteriscos, guri.
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