Por mais que emule os ídolos que abandonaram a escrita, mais um livro do catalão chega ao Brasil.
Enrique Vila-Matas é um curinga. Escritor de escritores -ou metaescritor, como dita o rótulo-, sua carreira baseia-se em retratar seu ofício em uma série de livros premiados. O catalão define sua literatura como “vilamatasiana” e admite que se identifica com os personagens que engendra; uma galeria de tipos propensos à negação.
Nestes Suicídios exemplares -livro de 1991 publicado agora pela Cosacnaify-, Vila-Matas mostra-se como um escritor do “Não”. Os personagens que figuram em seus dez contos assemelham-se por negar a vida para depois vir a negar o suicídio. A necessidade de desaparecer além de mote da obra; que segundo o escritor, “já nasce suicidada”; é também o que trará novamente seus personagens à vida- de uma forma ou de outra.
Assim acontece com o moderado pintor Panizo del Valle em um navio com destino a Babàkua. Ao travar conhecimento com um nativo que lê e fala ao revés, tem a fé em sua própria arte abalada por ele e não vê outra solução, senão adentrar de pijama a selva daquele país assim que pisa em terra firme. Destino análogo ao de Anatol, escritor malogrado que vê como insuportável a ideia de alcançar sucesso. Homem modesto, ao constatar que sua obra literária seria publicada, pega um barco e deixa pra sempre a ilha de Umbertha; “a obrigação do autor é desaparecer”.
A impossibilidade de concretização de seu próprio fim é a fonte de ironia, inspiração e de humor dos suicídios exemplares; já a inépcia e a renúncia são traços contínuos não só destes contos, mas da prosa de Matas. Essa “pulsão negativa” ecoa em toda criação do escritor, e com mais força em um livro da mesma irmandade, Bartleby e companhia (publicado pela Cosacnaify em 2004).
Iniciando com a epígrafe de Jean de la Bruyére “A glória ou o mérito de certos homens consiste em escrever bem; o de outros consiste em não escrever”, esta obra batizada em homenagem a um personagem de Herman Melville (Bartleby, o escrivão), discorre sobre a “síndrome de Bartleby” -uma profunda negação do mundo. O próprio autor admite sofrer desta síndrome; Vila-Matas é portanto, um Bartleby. Já o aludido Melville, enxergava importância na abnegação, mas de um modo um pouco diverso; em Hawthorne e seus musgos ele pronuncia: “No túmulo de Shakespeare jaz infinitamente mais do que Shakespeare já escreveu. E, se exalto Shakespeare, não é tanto pelo que ele fez mas antes pelo que não fez ou se absteve de fazer”.
Entrementes, a negação presente em Vila-Matas ainda assim não se assemelha a um signo de derrota ou desistência. Os suicídios exemplares são sim, uma deliciosa tentativa de vida nova, reflexo da prosa incomum de seu inventor. Afinal, como diz o próprio, “Dizer é inventar; seja falso ou verdadeiro”.
*[publicada na revista Brasileiros de agosto de 2009]
Nestes Suicídios exemplares -livro de 1991 publicado agora pela Cosacnaify-, Vila-Matas mostra-se como um escritor do “Não”. Os personagens que figuram em seus dez contos assemelham-se por negar a vida para depois vir a negar o suicídio. A necessidade de desaparecer além de mote da obra; que segundo o escritor, “já nasce suicidada”; é também o que trará novamente seus personagens à vida- de uma forma ou de outra.
Assim acontece com o moderado pintor Panizo del Valle em um navio com destino a Babàkua. Ao travar conhecimento com um nativo que lê e fala ao revés, tem a fé em sua própria arte abalada por ele e não vê outra solução, senão adentrar de pijama a selva daquele país assim que pisa em terra firme. Destino análogo ao de Anatol, escritor malogrado que vê como insuportável a ideia de alcançar sucesso. Homem modesto, ao constatar que sua obra literária seria publicada, pega um barco e deixa pra sempre a ilha de Umbertha; “a obrigação do autor é desaparecer”.
A impossibilidade de concretização de seu próprio fim é a fonte de ironia, inspiração e de humor dos suicídios exemplares; já a inépcia e a renúncia são traços contínuos não só destes contos, mas da prosa de Matas. Essa “pulsão negativa” ecoa em toda criação do escritor, e com mais força em um livro da mesma irmandade, Bartleby e companhia (publicado pela Cosacnaify em 2004).
Iniciando com a epígrafe de Jean de la Bruyére “A glória ou o mérito de certos homens consiste em escrever bem; o de outros consiste em não escrever”, esta obra batizada em homenagem a um personagem de Herman Melville (Bartleby, o escrivão), discorre sobre a “síndrome de Bartleby” -uma profunda negação do mundo. O próprio autor admite sofrer desta síndrome; Vila-Matas é portanto, um Bartleby. Já o aludido Melville, enxergava importância na abnegação, mas de um modo um pouco diverso; em Hawthorne e seus musgos ele pronuncia: “No túmulo de Shakespeare jaz infinitamente mais do que Shakespeare já escreveu. E, se exalto Shakespeare, não é tanto pelo que ele fez mas antes pelo que não fez ou se absteve de fazer”.
Entrementes, a negação presente em Vila-Matas ainda assim não se assemelha a um signo de derrota ou desistência. Os suicídios exemplares são sim, uma deliciosa tentativa de vida nova, reflexo da prosa incomum de seu inventor. Afinal, como diz o próprio, “Dizer é inventar; seja falso ou verdadeiro”.
*[publicada na revista Brasileiros de agosto de 2009]
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