quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Parangolés.

“E depois eu estou cansado de ir nos lugares para ler coisas na parede. Não aguento mais. Eu estou de saco cheio.”


Hélio Oiticica foi um dos maiores, mais respeitados e comentados artistas brasileiros. Quase trinta anos depois de sua morte, a Azougue Editorial lança estes Encontros, um apanhado representativo de entrevistas feitas ao longo de sua carreira.


Oiticica começa a estudar pintura em 1954, com Ivan Serpa, no Museu de Arte Moderna (MAM) do Rio de Janeiro. Adere ao movimento de arte concreta com o Grupo Frente e em 1959 funda, com Ferreira Gullar, Lygia Clark, Lygia Pape, Amílcar de Castro e outros, o movimento “neoconcreto”, que reinventou o concretismo, agora como arte participatória -- física, intelectual -- além de socialmente engajada.


Quando o movimento se dissolve, o artista segue só com suas pesquisas. As primeiras formas geométricas que engendra buscam materializar conceitos de ciência, arte e sociedade; pintando grades fora de alinhamento ou abrindo fendas entre blocos de cor, Hélio sugere a desestabilização de sistemas sociais opressivos.


Em 1965, os artistas plásticos brasileiros voltaram a se organizar em torno de um movimento inspirado na linguagem pop e na indústria, Hélio, no entanto, já tinha uma obra própria. Enquanto artistas como Vergara ou Roberto Magalhães falavam em “sair da parede para o espaço”, Oiticica já realizava trabalhos que envolviam a participação direta do público: “penetráveis”, labirintos de portas basculantes monocromáticas; “bólides”, caixas com conteúdos e compartimentos para serem explorados; e “parangolés”, suas capas para dançar, esculturas móveis que só se desvelam com a participação de quem as veste -- desenvolvidas desde que se tornara passista da Mangueira (1964). Tinha a intenção de demolir a barreira entre o artista e as massas, visando uma ativa participação na criação e interpretação da arte:


“A arte na verdade é universal e corresponde a um plano cósmico da existência humana, e quanto mais universal for, mais mescladas estão as diferenças puramente dialéticas que são elevadas a um plano de pura vivência cósmica, maior ou menor segundo o caso, permitindo assim, e só assim, o puro exercício criador do espírito.”


Em breve sua arte seria descoberta por Guy Brett do The Times, e por Paul Keeler, dono de uma galeria de arte de vanguarda em Londres.

Em 1966, elabora o conceito de Tropicália, com base na ideia de antropofagia (1928), de Oswald de Andrade para, em 1967, evocar a vida urbana na reconstituição de uma favela, com areia no chão, cortinas de náilon floridas e uma televisão na instalação de mesmo nome, na mostra Nova Objetividade Brasileira:


“Quando inventei, no verão de 1966-67 (verão brasileiro), o conceito de Tropicália (a palavra-conceito), não podia imaginar toda a sua extensão, embora quisesse dizer com ele, implicitamente, o que ele acanou sendo: a definição de um novo tipo de sentimento no panorama cultural geral.”


Neste mesmo ano, Glauber Rocha lança “Terra em transe”, José Celso encena “O Rei da Vela” e Caetano Veloso concorre com “Alegria, alegria” no festival de música da TV Record. A totalidade destes fatores viria a criar então o movimento ao qual Oiticica é mais facilmente associado; o tropicalismo.


Os vinte e três relatos, sejam eles entrevistas ou depoimentos, contidos neste volume da série Encontros, contemplam o período de 1961 a 1980 (incluindo inclusive a última entrevista de Hélio). Entre as gratas surpresas do livro, encontra-se uma gravação de Oiticica para Augusto e Haroldo de Campos, uma entrevista feita por Lygia Pape, outra junto com Capinam para o Pasquim e um depoimento apelidado de “Brasil diarreia” feito para Arte brasileira hoje (publicação organizada por Ferreira Gullar)..


Entre os diversos volumes publicados nesta coleção, encontram-se Gilberto Gil, Jorge Mautner e Zé Celso Martinez Corrêa. Para breve a editora espera lançar Gilberto Freyre e Tom Zé.


*[publicada no Correio Braziliense - 05 de setembro de 2009]

Nenhum comentário: