Hélio Oiticica foi um dos maiores, mais respeitados e comentados artistas brasileiros. Quase trinta anos depois de sua morte, a Azougue Editorial lança estes Encontros, um apanhado representativo de entrevistas feitas ao longo de sua carreira.
Oiticica começa a estudar pintura em 1954, com Ivan Serpa, no Museu de Arte Moderna (MAM) do Rio de Janeiro. Adere ao movimento de arte concreta com o Grupo Frente e em 1959 funda, com Ferreira Gullar, Lygia Clark, Lygia Pape, Amílcar de Castro e outros, o movimento “neoconcreto”, que reinventou o concretismo, agora como arte participatória -- física, intelectual -- além de socialmente engajada.
Quando o movimento se dissolve, o artista segue só com suas pesquisas. As primeiras formas geométricas que engendra buscam materializar conceitos de ciência, arte e sociedade; pintando grades fora de alinhamento ou abrindo fendas entre blocos de cor, Hélio sugere a desestabilização de sistemas sociais opressivos.
Em 1965, os artistas plásticos brasileiros voltaram a se organizar em torno de um movimento inspirado na linguagem pop e na indústria, Hélio, no entanto, já tinha uma obra própria. Enquanto artistas como Vergara ou Roberto Magalhães falavam em “sair da parede para o espaço”, Oiticica já realizava trabalhos que envolviam a participação direta do público: “penetráveis”, labirintos de portas basculantes monocromáticas; “bólides”, caixas com conteúdos e compartimentos para serem explorados; e “parangolés”, suas capas para dançar, esculturas móveis que só se desvelam com a participação de quem as veste -- desenvolvidas desde que se tornara passista da Mangueira (1964). Tinha a intenção de demolir a barreira entre o artista e as massas, visando uma ativa participação na criação e interpretação da arte:
“A arte na verdade é universal e corresponde a um plano cósmico da existência humana, e quanto mais universal for, mais mescladas estão as diferenças puramente dialéticas que são elevadas a um plano de pura vivência cósmica, maior ou menor segundo o caso, permitindo assim, e só assim, o puro exercício criador do espírito.”
Em breve sua arte seria descoberta por Guy Brett do The Times, e por Paul Keeler, dono de uma galeria de arte de vanguarda em Londres.
Em 1966, elabora o conceito de Tropicália, com base na ideia de antropofagia (1928), de Oswald de Andrade para, em 1967, evocar a vida urbana na reconstituição de uma favela, com areia no chão, cortinas de náilon floridas e uma televisão na instalação de mesmo nome, na mostra Nova Objetividade Brasileira:
“Quando inventei, no verão de 1966-67 (verão brasileiro), o conceito de Tropicália (a palavra-conceito), não podia imaginar toda a sua extensão, embora quisesse dizer com ele, implicitamente, o que ele acanou sendo: a definição de um novo tipo de sentimento no panorama cultural geral.”
Neste mesmo ano, Glauber Rocha lança “Terra em transe”, José Celso encena “O Rei da Vela” e Caetano Veloso concorre com “Alegria, alegria” no festival de música da TV Record. A totalidade destes fatores viria a criar então o movimento ao qual Oiticica é mais facilmente associado; o tropicalismo.
Os vinte e três relatos, sejam eles entrevistas ou depoimentos, contidos neste volume da série Encontros, contemplam o período de 1961 a 1980 (incluindo inclusive a última entrevista de Hélio). Entre as gratas surpresas do livro, encontra-se uma gravação de Oiticica para Augusto e Haroldo de Campos, uma entrevista feita por Lygia Pape, outra junto com Capinam para o Pasquim e um depoimento apelidado de “Brasil diarreia” feito para Arte brasileira hoje (publicação organizada por Ferreira Gullar)..
Entre os diversos volumes publicados nesta coleção, encontram-se Gilberto Gil, Jorge Mautner e Zé Celso Martinez Corrêa. Para breve a editora espera lançar Gilberto Freyre e Tom Zé.
*[publicada no Correio Braziliense - 05 de setembro de 2009]
Nenhum comentário:
Postar um comentário